Introdução
Os transtornos alimentares mais comuns e normalmente conhecidos pelos agentes envolvidos no contexto esportivo são a anorexia e a bulimia. Entretanto pouco se sabe sobre o Transtorno de Compulsão Alimentar e que dada a sua importância, agora se tornou uma categoria nosológica no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5. Sendo assim o objetivo deste artigo é fazer uma revisão sobre o tema e contribuir com uma proposta de tratamento para este transtorno alimentar.
O transtorno de compulsão alimentar acomete a muitos indivíduos sendo prevalente em pessoas obesas, com sobrepeso, mas ocorre também em atletas eutróficos. Na literatura nacional não se encontrou trabalhos que façam referência ao transtorno de compulsão alimentar no contexto do esporte. Este transtorno tem critérios diagnósticos estabelecidos e possui tratamento.
O que é o Transtorno da Compulsão Alimentar?
O Transtorno da Compulsão Alimentar é marcado essencialmente por episódios de compulsão alimentar recorrentes com a ausência de comportamentos compensatórios inadequados (forçar vômitos, exercícios físicos extenuantes, entre outros). Apresenta-se associada com os indicadores subjetivos e comportamentais de prejuízo no controle e sofrimento significativo relacionado a estas crises, conforme no descrito no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-IV-TR.
No início da década de 90, Spitzer et al. descreveram indivíduos em tratamento para perda de peso que apresentavam episódios de compulsão alimentar não associados a mecanismos compensatórios e com características diferentes da bulimia nervosa. Tal estudo multicêntrico constatou a presença deste quadro em 30,1% de sua amostra de 1.984 sujeitos. A partir destes achados, os autores propuseram a inclusão dos critérios diagnósticos para o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) no apêndice B do DSM-IV-TR, como uma nova categoria diagnóstica a ser melhor investigada.
Há evidências de que pacientes com TCAP ingerem significativamente mais alimentos do que as pessoas obesas sem compulsão alimentar. Dadas as elevadas necessidades energéticas dos atletas, trata-se de um grupo com elevado risco de desenvolver o TCAP, especialmente em longos períodos de recuperação de lesões e no final da carreira, onde os hábitos alimentares são mantidos, mas as necessidades energéticas são drasticamente reduzidas. O TCAP pode ocorrer em indivíduos eutróficos, com sobrepeso ou obesos.
O estresse é um fator que pode levar ao aumento das compulsões alimentares. Durante situações estressantes, o cortisol é liberado estimulando a ingestão de alimentos e o aumento do peso. Eventos angustiantes ou estressantes podem ser precipitantes para o desenvolvimento de um TCAP. Os atletas estão sistematicamente expostos a importantes estressores, o que os coloca em maior risco de fazer o uso da alimentação como uma mediação para saciedade ao estresse.
Transtorno da Compulsão Alimentar: aspectos psicológicos
Evidencias sugerem que obesos com TCAP apresenta uma pior resposta aos tratamentos que objetivam emagrecimento, um maior número de tentativas malsucedidas de adesão a dietas, uma maior dificuldade de perder peso, uma pior manutenção do peso perdido e uma maior taxa de abandono do tratamento.
Em obesos que possuem TCAP foram identificados maiores níveis de perfeccionismo, impulsividade, ansiedade e isolamento social, além de uma maior vulnerabilidade à depressão, bem como uma pior qualidade de vida neste grupo. Com relação aos sintomas psicopatológicos específicos do TCAP, foram observadas atitudes mais disfuncionais relacionadas à alimentação e ao peso, além de uma extrema preocupação e insatisfação com a forma corporal.
Estudos com atletas tem buscado entender a relação entre variáveis antropométrica, tais como o Índice de Massa Corporal (IMC) e a porcentagem de gordura com os níveis de insatisfação corporal e o comportamento alimentar. Eles mostram que a porcentagem de gordura é a variável que mais influencia a insatisfação corporal de atletas do sexo feminino e que o IMC e a porcentagem de gordura contribuem significativamente para explicar a insatisfação corporal de atletas do sexo masculino. O estudo mostrou também que o comportamento alimentar de atletas mulheres é mais fortemente influenciado pela porcentagem de gordura, indicando que quanto maior a porcentagem de gordura maior a presença de comportamento alimentar inadequado.
Transtorno da Compulsão Alimentar: tratamento psicoterapêutico
A terapia cognitivo comportamental (TCC) é uma intervenção semi-estruturada, objetiva e orientada para metas, que aborda fatores cognitivos, emocionais e comportamentais no tratamento dos transtornos psiquiátricos. A TCC foi considerada a forma de intervenção psicoterápica mais investigada no TCAP através de ensaios clínicos randomizados e tem sido crescentemente utilizada em diversos centros especializados no tratamento dos transtornos alimentares.
A TCC se destaca com o método psicoterápico mais efetivo na prática clínica. A principal vantagem é que o tempo limitado concentra a mente do paciente e dos profissionais, estimulando o ritmo do tratamento e torna muito mais provável que o tratamento tenha um final formal em vez de fracassar.
Além de técnicas cognitivas, a TCC também emprega técnicas comportamentais para ajudar na modificação dos hábitos alimentares. Como exemplos dessas técnicas, podem ser citadas a automonitoração (observação sistemática e registro dos alimentos ingeridos e das circunstâncias associadas), as técnicas para controle de estímulos (que envolvem a identificação das situações que favorecem a ocorrência da compulsão alimentar e o desenvolvimento de um estilo de vida que minimize o contato do paciente com essas situações) e o treinamento em resolução de problemas, que ajuda o paciente a desenvolver estratégias alternativas para enfrentar suas dificuldades sem recorrer à alimentação inadequada.
Considerações finais
O conteúdo explorado neste artigo fornece bases para a detecção e direções gerais para o tratamento de casos de transtorno de compulsão alimentar em atletas. Cabe salientar que os conteúdos aqui apresentados não pretenderam esgotar o tema, antes, trazer alguma luz para um problema relevante que merece a atenção dos agentes (psicólogos do esporte, fisioterapeutas, treinadores, preparador físico, médicos, nutricionistas, agentes de carreira) envolvidos no suporte aos atletas.