Foi a perda dos vínculos da pesquisa científica e da teoria com a vida viva da Educação Física que fez com as relações teoria-prática permaneçam como o problema principal na Educação Física. Por exemplo, já é claro para muitos de nós que o formidável avanço teórico que se obteve na Educação Física brasileira, nas últimas duas décadas, não se reverteu em melhorias na prática da Educação Física escolar. Tal contradição é facilmente identificável, até por estudantes em seu primeiro ano de graduação. Uma vez que se aceite este diagnóstico problemático, a resposta mais equivocada que se pode dar é culpar os professores por isso; ou propor que, na formação dos professores, se tenha mais teoria.
Contudo, como afirmou Elliott (1993), o problema para os professores não é a teoria, mas a relação teoria-prática. Em nosso entendimento, tais relações podem ser consideradas nas perspectivas: (i) tradicional-técnica; (ii) legitimadora e/ou crítica; e (iii) reflexiva.
Tradicional-técnica
A pesquisa científica produz abstrações e generalizações a partir da prática - ou seja, teorias - as quais se pretende sejam aplicáveis de modo direto a todos os contextos da prática. Tende-se assim a ignorar as contingências que operam nos ambientes escolares concretos (por exemplo, turmas heterogêneas), assim como não facilitam indicações sobre como atuar para implantar o modelo ideal preconizado pela teoria. A relação teoria-prática torna-se, então, uma ameaça para o professor, na medida em que a teoria supõe um alijamento do conhecimento prático das contingências da vida em aula, de seu conhecimento e experiências profissionais, e imputa ao professor a responsabilidade pela diferença entre a teoria e a prática.
Em síntese, na perspectiva tradicional-técnica, embora exista uma referência inicial à prática, a relação teoria-prática finda por dar-se dá em "mão única", sem qualquer mediação, fluindo da teoria para a prática.
Legitimadora e/ou crítica
Segundo Carr e Kemis (1988, p. 30), nas décadas de 1960 e 1970, disciplinas como a psicologia, sociologia, história etc, as quais passaram a fornecer as sínteses teóricas, estratégias conceituais e critérios de validação para a teoria educacional, "como se tal desenvolvimento não fosse possível por conta própria". Em decorrência, os princípios educativos passaram a ser justificados independentemente das práticas educativas (pelo recurso aos conhecimentos psicológicos, sociológicos etc.) e estas, por sua vez, se distanciaram das teorias. Para Stenhouse (apud DICKEL, 1998), por meio das teorias psicológicas, sociológicas, etc., é possível ter acesso a teorias sobre o conteúdo e as condições da ação educativas, mas não ao estudo da ação educativa em si mesma, já aquelas teorias preocupam-se mais em conduzir a pesquisa que guiar o ensino.
Então, nessa perspectiva, teorias levam a teorias, pela necessidade que tem qualquer teoria, ao buscar legitimar ou criticar práticas, de melhor fundamentar seus argumentos, dentre outros motivos, pela concorrência de teorias rivais. Nessa dinâmica, a relação inicial com a prática se esvaece.
A frase que se segue, pronunciada por uma professora de ensino fundamental de uma escola pública, ao ser a mim apresentada, resume bem as dificuldades a que levaram estas duas perspectivas: "Você é um daqueles que fica na sua sala estudando para dizer como NÓS devemos trabalhar ?"
Reflexiva
Propõe a reconstrução e transformação da prática. Em contraposição às perspectivas anteriores, Stenhouse (apud DICKEL, 1998) propõe que os problemas delimitados pela pesquisa em educação sejam selecionados em função de sua importância para a compreensão da ação educativa. Tratar-se-ia de uma pesquisa realizada no interior do empreendimento educativo, e que pudesse contribuir para o seu enriquecimento.
Para Elliott (1993), a pesquisa não deve separar-se da prática; a prática mesma é a forma de investigação, pois nessa situação desconhecida são levantadas hipóteses para além da atual compreensão do professor. As ações são avaliadas de forma retrospectiva como meio de ampliação do problema prático (reflexão sobre a ação). Essa compreensão se desenvolve por meio da modificação da prática, e não antes (PEREIRA, 1998). Nesse sentido, a produção teórica deriva das tentativas de mudar as práticas, e estas são o meio pelo qual se elaboram e comprovam as suas próprias teorias, ou seja, as práticas constituem-se em categorias de hipóteses a comprovar. A teoria adquire um sentido de unidade com a prática, não no sentido estático de dar explicações às questões práticas, mas no sentido dinâmico de auxiliar o encaminhamento, a direção refletida, crítica e criativa da situação. A teoria é vista como reveladora de várias alternativas e, pela análise e diálogo com a situação, contribui para fazer avançar o conhecimento sobre a validade de cada uma delas, e assim são geradas relações de interrogações mútuas entre a teoria e a prática, em decorrência do que ambas se transformam.