Introdução
Sentado à frente da televisão, ou em uma sala de cinema, pessoas de diferentes classes se deparam com filmes de ação, onde na maioria das vezes, praticantes orientais trajando roupas estranhas para um ocidental, portando uma espada ou um bastão, ou mesmo à mão livre, defrontam-se entre gritos, socos, chutes e vôos acrobáticos, com um número grandioso de oponentes, sagrando-se sempre vencedor, sem quase nenhum dano físico ou mesmo demonstrando qualquer sinal de desgaste ou cansaço. Após esta excitante cena, acompanha-se o jovem lutador, que se dirige a um mosteiro ou se retira para meditação ou reflexão, como se nada tivesse acontecido. Assombrado com este desempenho e controle, é possível que muito em breve tal platéia se dirija a uma academia para tentar desvendar esta misteriosa técnica, de preferência com um mestre asiático de longas barbas brancas e um peculiar jeito de se vestir e ensinar.
Este estudo objetiva através de uma revisão de literatura junto a estudos recentes sobre a temática marcial, analisar a influência da mídia na apropriação das artes marciais chinesas no Ocidente, especificamente no Brasil, esperando auxiliar na compreensão de tal aspecto.
Os filmes de ação e o kung fu chinês
O advento dos filmes de ação no Brasil ocorreu entre as décadas de 60 e 70, onde esse gênero costumava lotar as salas de cinema. Isso contribuiu de forma contundente na apropriação das práticas marciais orientais. O Kung Fu chinês também foi beneficiado por este espaço na mídia, o que acabou por atrair inúmeros praticantes, bem como o surgimento de várias academias que se utilizaram da demanda gerada por esse interesse produzido pela mídia.
Muitos foram os filmes que se utilizaram destas artes de combate, sendo inúmeros os atores que se tornaram célebres em virtude de suas espetaculares cenas de ação. No entanto, a representação de tais práticas no cinema parece um tanto desvirtuada da realidade destas artes marciais, o que acabou por criar uma relação complexa, onde em um primeiro momento o futuro praticante se sente atraído e motivado para se iniciar no treinamento, e em um segundo, se desinteressar rapidamente em virtude das dificuldades exigidas para a objetivada evolução técnica, esforço este pouco representado nos filmes.
De acordo com o estudo realizado por Apolloni, dois “produtos” marcariam a influência da mídia na divulgação do Kung Fu. O primeiro seriam os filmes da década de 70, destacando-se os realizados pelo ator Bruce Lee, cuja influência pode ser sentida até os dias de hoje, sendo possível encontrar revistas, pôsteres, filmes, celulares, comerciais e jogos de vídeo game que se utilizam ainda da imagem do ator. O segundo grande produto foi à série televisiva intitulada “Kung Fu” que influenciou sobremaneira a apropriação desta arte marcial, sendo exibida no Brasil em 1975.
Os anos 70 foram marcados pelo surgimento, no Ocidente, de produtos culturais relacionados à representação no Kung-Fu: filmes e séries televisivas, histórias em quadrinhos, músicas e publicações populares. A presença desses produtos levou pesquisadores a identificarem a arte marcial chinesa como fenômeno transcultural, ou seja, que já deixou os limites de uma cultura nacional e foi apropriado (e realimentado) por fontes culturais diversas.
Discussão
A principal questão que permeia o estudo de Marta foi verificar como o Brasil, país distante geográfica e culturalmente dos países do Oriente, acolheu as práticas corporais surgidas naquela região. Esta discussão interessante acabou apontando também para influência da mídia cinematográfica na apropriação marcial chinesa.
O que se observa atualmente no Brasil é que as artes marciais passaram por processo de massificação que, à primeira vista, parece ter contado com o apoio de três fatores: a) a chegada e o posterior estabelecimento, a partir do início do século XX, de grupos imigrantes de origem oriental – algo que já destaquei anteriormente -; b) a influência dos meios de comunicação de massa, sobretudo o cinema e a televisão; c) o processo de esportivização vivenciado não apenas pelas artes marciais, mas também por outras práticas corporais. Os detalhes desse processo ainda carecem de mais estudos.
Conforme apresenta Pimenta os veículos de comunicação muitas vezes tratam destas atividades de uma forma complexa, marginalizando processos históricos e sociais que contribuíram para suas formações. Em outra obra deste autor, ele apresenta dados referentes ao espantoso número de praticantes das modalidades marciais de origem asiática, sendo o Kung Fu possuidor de 370 mil praticantes. Longe de ser uma quantidade desprezível, este grandioso número de adeptos serve-se muitas vezes da espetacularização de tal modalidade para o atendimento de sua demanda.
Apesar de não possuir Chinatowns e nem uma colônia chinesa das mais expressivas em termos numéricos, o Brasil conheceu o moderno Kung-Fu praticamente ao mesmo tempo em que os demais países do Ocidente. Por aqui, como em quase todos os lugares fora da China e da grande faixa histórica de concentração de chineses ultramarinos (Sudeste Asiático), a aproximação entre sociedade e marcialidade chinesa se deu, fundamentalmente, a partir da indústria do entretenimento do século XX (literatura popular, cinema e televisão).
Conclusão
As alterações na forma tradicional do Kung Fu chinês em decorrência de sua Ocidentalização é um ponto que merece uma análise mais ampla. No entanto, a importância da mídia cinematográfica para tal distorção e perspectiva moderna mostra-se bastante aparente. De difícil mensuração, cujo enfoque em nenhum momento foi objeto deste estudo, esta relação mídia e artes marciais mostram-se como um caminho de duplo sentido, onde benefícios e dificuldades podem ser analisados de maneira individualizada, porém, sob o risco de se ultrapassar uma linha tênue que separa tais aproximações.