Nas últimas décadas, tem proliferado a participação de crianças em atividades esportivas, seja em atividades nas escolas, como lazer ou mesmo de rendimento.
A aprendizagem de qualquer modalidade esportiva deve ser feita com cuidadosa e adequada metodologia. Os preceitos da pedagogia, da didática e da psicologia devem ser empregados pelo professor na iniciação esportiva, pois está ultrapassada, e há muito tempo, a fase do empirismo, da auto-aprendizagem e da ausência de segura orientação na iniciação desportiva.
Durante muito tempo, o processo de iniciação esportiva encontrava sua justificação no empirismo. A busca por uma fundamentação científica referente ao processo de ensino tem sido uma constante, possibilitando aos professores e técnicos abandonarem gradativamente sua prática empírica e indutiva.
Ao longo dos anos, diferentes abordagens de ensino foram utilizadas no processo de iniciação esportiva. A literatura em língua portuguesa apresenta-nos autores que relacionam o processo de iniciação esportiva, mais especificamente, a iniciação aos jogos esportivos coletivos, "somente" aos fundamentos do jogo, em razão da palavra fundamentos vir do latim "fundamentu", que quer dizer base, alicerce. Sendo assim, muitos profissionais de Educação Física, fíeis ao significado da palavra, entendem que os processos de ensino de um jogo esportivo restringem-se ao ensino dos fundamentos, que são os elementos da técnica individual dos jogadores, como exemplo o passe e o chute no futebol, o arremesso no basquetebol e o saque e a cortada no voleibol.
A partir dessa cultura retrogêna, ainda observa-se hoje nas escolas, clubes e equipes, e até mesmo na literatura, um processo de iniciação voltado, única e exclusivamente, aos fundamentos. Na teoria, as técnicas são consideradas pré-requisitos para que a criança desenvolva o jogo, contudo o ensino da técnica em algumas situações não corresponde àquelas enfrentadas pela criança no jogo. A forma de ensino que se observa na prática é a decomposição do jogo até se chegar às técnicas (passar, chutar, driblar, etc.). Os problemas dessa metodologia estão visíveis na hora do jogo, pois geralmente durante os exercícios em formação dois a dois, colunas e fileiras, o aluno não se depara com situações reais de jogo, como adversários, tempo limitado para tomar certas decisões, espaço reduzido, regras, entre outras situações que somente o jogo propriamente dito pode oferecer.
Nesse caso, a aprendizagem é restrita a gestos automatizados em situações completamente distintas às que a criança terá que enfrentar no momento do jogo. Conseqüentemente, os famosos "educativos", como, por exemplo, no caso do voleibol a bola fixa acima da rede para a cortada, são grandes "deseducativos" para a aprendizagem inicial deste fundamento, pois preparam para uma situação estável que não existe durante o jogo propriamente dito (CANFIELD & REIS, 1998) . Assim, o sucesso nessa ação não depende somente da maneira como ela é executada (técnica), mas sim da adaptabilidade às exigências do meio. Com a evolução dos esportes em geral, mais especificamente os Jogos Esportivos Coletivos, exige-se hoje que, no processo de formação de jogadores, se aplique uma metodologia que permita o desenvolvimento harmônico das ações técnicas e táticas.
Torna-se, então, necessário desenvolver no praticante as capacidades cognitivas de percepção, antecipação e tomada de decisão. A capacidade de tomar decisões de forma rápida e precisa é uma das diferenças de nível entre jogadores. É necessário que a metodologia utilizada no processo de ensino-aprendizagem tenha uma aproximação com a idéia do jogo.
As atividades utilizadas no processo de iniciação deverão possibilitar ao praticante interpretar a situação de jogo, a qual está inserido e, desta forma, conseguirá reunir informações para chegar a melhor solução. Quanto mais informações o professor transmitir, menos decisões a criança deverá tomar. Ensinar as ações técnicas (fundamentos do jogo) e as ações táticas (sistemas de defesa e ataque) separadamente, são como ensinarmos a jogar sem oportunizar a sua aplicabilidade, pois as ações técnicas e táticas estão relacionadas no jogo.
Alguns autores entendem que os gestos técnicos não teriam a primazia no ensino, não seriam o ponto de partida. Em contraste a essa afirmativa, outros autores acreditam que somente com o domínio dos fundamentos a criança consiga jogar. Para eles, a criança terá mais facilidade em aprender porque desde cedo ela pratica os fundamentos do jogo.
Para a prática de qualquer modalidade esportiva coletiva, onde há ações de intervenção externa (adversários, regras, tempos limitados para ações, etc.), as ações táticas são tão importantes como a qualidade técnica nas resoluções de problemas enfrentados durante o jogo. Sendo as ações técnicas e táticas os alicerces para que o jogo se desenvolva racionalmente, somente com a combinação destas ações nas atividades é que poderemos desenvolver e aprimorar na criança a "capacidade de jogo". Define-se "Capacidade de Jogo" como as ações técnicas e táticas, empregadas de maneira racional durante o jogo, de modo que venha a resolver as situações e os problemas existentes no jogo, que estão em mudança permanente.
A abordagem de ensino-aprendizagem dos jogos esportivos coletivos deverá ser a partir de uma inter-relação das ações técnicas e das ações táticas, de modo a serem desenvolvidas globalmente no aluno, isto quer dizer que a capacidade motora e a capacidade cognitiva devem ser trabalhadas em conjunto, para que o aluno desenvolva a "Capacidade de Jogo". As ações técnicas dependerão da capacidade motora (ritmo, coordenação e equilíbrio) do aprendiz, e as ações táticas da capacidade cognitiva (percepção, antecipação e tomada de decisão).
A figura, exemplifica a relação existente entre as ações técnicas (relacionadas a capacidade motora) e as ações táticas (relacionada a capacidade cognitiva) de modo que contribuam para o desenvolvimento da capacidade de jogo.
Portanto, sugere-se que o processo de iniciação esportiva seja voltado para o desenvolvimento da "Capacidade de Jogo". A metodologia a ser empregada pelo professor deve ter uma aproximação com o jogo (situações reais de jogo). Para isso, faz-se necessário que o professor utilize-se de atividades técnico-táticas. A formação técnico-tática assume, portanto, na iniciação esportiva, uma posição central.